O que é Policondrite Recidivante

 

O QUE É POLICONDRITE RECIDIVANTE?

A Policondrite Recidivante (PR) é uma doença rara, grave, que pode acometer vários órgãos do corpo se não reconhecida e tratada. O nome significa poli = muitas, várias; condros = cartilagens; ite = inflamação. Portanto, várias cartilagens inflamadas de forma recorrente, em episódios agudos e de remissão espontânea. Sua causa é desconhecida. Acredita-se que os mecanismos alterados do sistema imunológico levem à autoimunidade, isto é, reconhecimento de órgãos do corpo como se fossem estranhos à pessoa e, portanto, aptos a serem atacados. A evolução da PR é caracterizada principalmente por inflamação recorrente e destrutiva das estruturas do corpo que contêm cartilagens: orelhas, nariz, traquéia e juntas.

Descrita pela primeira vez como “Policondropatia” em 1923, teve esse termo revisto em 1960 para Policondrite Recidivante. Dados estatísticos dos Estados Unidos (no Brasil não temos qualquer dado a respeito) apontam uma incidência de 3-5 pessoas em 1 milhão (incidência significa número de novos casos com a doença por ano), acometendo pessoas adultas do sexo feminino e masculino, mas afetando também crianças.

A causa mais comum de letalidade é a insuficiência respiratória e, em segundo lugar, complicações cardiovasculares. A PR é perfeitamente tratável com os recursos mais modernos, trazendo sobrevida a longo prazo e qualidade de vida aos acometidos por esta enfermidade pouco conhecida pelos médicos.

 

QUAL A CAUSA DA PR?

A sua causa ainda é desconhecida. Cientistas, no entanto, suspeitam que seja uma condição autoimune. Há ainda evidências que sugerem a presença de um fator genético associado ao antígeno leucocitário humano HLA-DR4 em pessoas com PR. Trata-se de proteínas que se situam na superfície das células, recebidas do pai e da mãe, descobertas em outras circunstâncias, quando se investigava o porquê de haver rejeição de órgãos transplantados. Sabe-se, no entanto, que estes genes não são sozinhos responsáveis por doenças específicas, podendo contribuir com outros fatores (ambientais, por exemplo vírus, bactérias, fungos, agentes químicos, etc.) para o surgimento de doenças.

 

QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS SINTOMAS DA PR?

A doença é caracterizada por inflamação recorrente de uma ou mais cartilagens, às vezes também outros tecidos em todo o corpo. A gravidade dos sintomas da PR varia significativamente de pessoa para pessoa. Apesar de o envolvimento da cartilagem das orelhas ser uma das características mais comuns e frequentes, suas formas típicas de apresentação incluem também inflamação das vias aéreas (dores na frente do pescoço, onde fica a traqueia), inflamação interna dos olhos (uveíte, severo acometimento com diagnóstico feito pelo oftalmologista) e envolvimento das cartilagens costais (no tórax anterior, onde as costelas vão encontrar o osso do peito, o esterno), coração e vasos, dores nas juntas tipo artrite, lesões de pele, falhas do funcionamento dos rins e sistema nervoso.

Orelha externa. As orelhas são as partes do corpo mais comumente afetadas e que devem levantar a possibilidade do diagnóstico de PR. Os sintomas incluem rubor, dor, queimação, inchaço e sensibilidade da cartilagem de uma ou ambas as orelhas, poupando o lóbulo (parte mais inferior, veja exemplo típico na figura 1). Os repetidos episódios inflamatórios levam à deformação do pavilhão auricular.

Figura 1

 

Ouvido. A inflamação do conduto auditivo pode causar perda da acuidade auditiva, vasculite da artéria auditiva interna, gerando acometimento coclear e/ou vestibular (a parte interna dos ouvidos, que nos permite ter noção de equilíbrio).

Articulações. O segundo achado mais comum é dor nas juntas, com poliartrite (quatro ou mais juntas doloridas) que varia de artralgias (dores nas juntas) a artrites não deformantes, em geral sem simetria. Pode envolver pequenas e grandes articulações, sendo frequente a predileção pelas articulações costocondrais (junção das costelas com o osso do peito, no tórax anterior).

Olhos. As pessoas afetadas podem desenvolver epiesclerite, uveíte e/ou esclerite, que são nomes para inflamações ocorrendo nas várias partes internas dos olhos e na conjuntiva (parte branca dos olhos). Podem estar associados à perda da visão em casos graves ou avançados, que não tiveram diagnóstico ou sem tratamento adequado desde o início dos sintomas. Se você tiver olhos vermelhos de forma intensa, com dor e sem melhora após poucos dias, procure imediatamente o seu oftalmologista.

Nariz. A inflamação da cartilagem nasal pode levar à congestão com dificuldade para respirar, crostas, corrimentos, epistaxe (sangramento nasal) e olfato comprometido. As recorrentes inflamações podem levar à destruição da cartilagem, deixando-o com aparência de “nariz em sela” (veja as figuras 2 e 3). Esta deformidade não é ocasionada apenas pela PR, podendo ter como causas a granulomatose de Wegener, que é uma outra doença reumática agora chamada de granulomatose com poliangeite, ou a sífilis.

Figuras 2 e 3 . (Fotos retiradas de Haug et al. J Plastic Reconstr Aesthetic Surg 62, 2009).

 

Vias aéreas. A inflamação pode afetar várias áreas como a laringe, trazendo rouquidão, a traquéia e os brônquios. O envolvimento das vias aéreas pode levar à tosse, chiados ao respirar, falta de ar e infecções recorrentes. Pode tornar-se potencialmente fatal se não for devidamente diagnosticada porque há casos de colabamento da traqueia devido ao envolvimento dos anéis de cartilagem ali presentes.

Outros órgãos. A inflamação pode causar acometimento importante das válvulas do coração, pericardite (inflamação da membrana que envolve o coração), miocardite (afetando o próprio músculo do coração), bem como gerar aneurisma (dilatação) da aorta. O sistema renal, nervoso, o trato gastrointestinal e os vasos também podem ser afetados.

O avanço da doença, com repetidas reincidências inflamatórias, pode levar à destruição da cartilagem de suporte, produzindo orelhas caídas, nariz em sela, peito escavado e alterações na visão, na audição e perda de equilíbrio com tonturas e vertigens.

Em aproximadamente um terço das pessoas a PR está associada a outros problemas de saúde concomitantes. As condições incluem outras doenças autoimunes, doenças hematológicas (incluindo linfoma de Hodgkin), desordens gastrointestinais (incluindo doença de Crohn e retocolite ulcerativa) e doenças endócrinas (incluindo diabetes mellitus tipo 1 e distúrbios da tireoide).

 

COMO O MÉDICO FAZ O DIAGNÓSTICO DA PR?

 O diagnóstico é essencialmente clínico, não havendo até o momento testes de laboratório específicos para Policondrite Recidivante (PR).  Testes laboratoriais são feitos geralmente para excluir outras possíveis doenças associadas. A biópsia da cartilagem é mais comumente solicitada apenas em casos atípicos, quando se mostra necessário um diagnóstico diferencial.  Exames de imagem podem ser utilizados para averiguar a extensão da doença – ecografias, tomografias e ressonância magnética.

A manifestação episódica da PR, em surtos de inflamações de cartilagens que vão e desaparecem espontaneamente em questão de dias, os sintomas heterogêneos conforme a pessoa afetada, e a variedade de apresentação dos sintomas, com padrões distintos de envolvimento de órgãos, podem em conjunto levar a um diagnóstico tardio ou ao sub-diagnóstico. Outro fator de grande importância é que os médicos não estão em geral acostumados a diagnosticar doenças muito raras, que passam à sua frente uma vez a cada 10 anos, em média. Assim, é fundamental a disseminação do conhecimento da doença entre profissionais e público em geral.

 

COMO O MÉDICO TRATA A DOENÇA?

O tratamento da PR envolve anti-inflamatórios comuns, ditos não-esteróides, corticóides em fase aguda, imunossupressores (remédios que abrandam a inflamação intervindo diretamente nos mecanismos imunológicos da autoimunidade) e, em casos refratários, os agentes biológicos anti-TNF-α.  Os principais objetivos da terapêutica para pessoas com PR são aliviar os sintomas e preservar a estrutura afetada, evitando e/ou retardando deformidades ou colapso provocado pelas reincidentes inflamações.

Devido à falta de ensaios clínicos randomizados, o tratamento ainda é empírico. Não havendo formas padronizadas de terapêutica, ele é individualmente ajustado de acordo com a condição e gravidade doença. Converse com o reumatologista, que é o especialista talhado para adequar os remédios de forma correta a seu caso específico.

Compreender melhor os mecanismos e causas da PR, compreender como ocorre a atividade inflamatória dentro de cartilagens, estruturas que não têm vasos sanguíneos, bem como quais as maneiras de efetuar o diagnóstico o mais precocemente possível, continuam sendo desafios para os cientistas que estudam a PR. A doença é potencialmente letal nos pacientes com acometimentos de órgãos internos e que não são tratados a tempo, demandando acompanhamento clínico permanente. Esperemos que o futuro próximo traga pesquisas dando conta da cura da doença.

 

Recomendamos a leitura do artigo abaixo da SOBRAU – Sociedade Brasileira de Autoimunidade:

“POLICONDRITE RECIDIVANTE: quando as orelhas ficam vermelhas e doem” 

 

Revisado pelo Dr. Carlos A. von Mühlen

Reumatologista e Presidente da SOBRAU – Sociedade Brasileira de Autoimunidade

www.drvonmuhlen.com